Minha maneira de estudar um pouco é tentar reproduzir arranjos e solos de músicas que gosto com certa fidelidade. Consigo assim, aperfeiçoar minha percepção musical (ouvido), ampliar meu vocabulário de licks, de shapes diferentes e técnicas, como a forma de palhetar, de abafar as cordas necessárias, o uso de slide, two hands, etc.
A resolução do arranjo passa às vezes por sacar uma afinação alternativa, o uso de um capotraste, uma maneira diferente de pensar em pestanas como se estivesse em uma afinação aberta, o uso eficiente de cordas soltas em conjunto com algum riff ou mesmo o uso do polegar da mão esquerda para liberar mais opções, entre tantas outras coisas.
Em boa parte do tempo, gosto da ideia de tentar aproximar bem o resultado das escolhas do guitarrista original em relação não só à região do braço da guitarra, como também da sua “pegada”. Isso me obriga a focar não só a minha mão esquerda (digitação - como acho que a maioria acaba fazendo), mas melhora muito o trabalho da mão direita (ritmo, palhetada, dinâmica).
Aproximar o arranjo também te dá, por exemplo, o ponto certo de como usar um slide, entender o esforço dele sobre as cordas e o ponto correto para que afine, e somado a isso, entender como abafar as cordas que não devem soar a mais, ou onde se empenhar num vibrato, ou descobrir uma maneira melhor de percorrer o braço de forma fluída.
Você pode até usar o pedal de drive ou o amplificador parecido com o que você está tentando emular, ou mesmo a guitarra parecida, mas o que fará o resultado aparecer com mais eficiência por vezes será sua palhetada - o jeito, o esforço, mudança de ângulo, mudança da região das cordas, tudo contribui para tirar um som melhor, e focando a maneira de compreender como foi feito na canção original, você acaba por estudar sem perceber que assim o estava fazendo - além de ter um parâmetro para saber se está conseguindo obter sucesso no resultado. Você por vezes tem a leve impressão que mudou o estilo de soar do captador apenas mudando sua técnica de palhetar. Certamente você já escutou essa frase: “ timbre está na mão do guitarrista.“ Isso faz parte.
Por fim, o resultado, da mesma forma, está diretamente ligado no “ouvir e gostar da melodia” (e manter conexão emocional com a canção) pois isso atinge mais o ouvinte (e a você mesmo) do que a parte “circense” dos solos (que, claro, pode ter seus momentos, mas vira truque velho em pouco tempo). Se você imagina obter o interesse de quem escuta sua performance de forma mais duradoura, esse “detalhe” importantíssimo o ajudará a deixar a técnica somente a serviço e auxílio da sua forma de expressão, sem colocar o “carro na frente dos bois”.
Os vídeos (do VIMEO) que compartilho a seguir, se não puderem passar uma parte da intenção em palhetar (a qualidade dos videos talvez não seja suficiente) tem pelo menos a minha tentativa em focar nos shapes e região do braço que consegui compreender dos arranjos originais, assim como alguns macetes que tento descrever abaixo que colaboram bastante no resultado.
Bem, façam proveito…
1- “Good Times Bad Times” (Led Zeppelin)
Musica de abertura do primeiro álbum do Zepp. Duas coisas chamaram minha atenção: os 3 acordes do refrão (que na versão original se dividem com uma segunda guitarra que faz um trabalho diferente da primeira, dando às vezes impressão de serem apenas dois acordes, e por isso podem passar batido!) e também os 3 pequenos solos onde em dois deles Page abusa dos bends de 1 tom e 1 tom e meio! (uma de suas assinaturas).
2- “Smoke on the Water” (Deep Purple)
Maior clássico do Purple e que tem um solo muito interessante do Blackmore. Aqui a maneira (e esforço) ao palhetar em alguns trechos ajusta o timbre e intenção de Ritchie. Não sei se isso transparece no vídeo, mas é pra mim, o macete mais importante pra se chegar nas nuances desse hino do rock and roll.
3- “You Shook Me All Night Long” (AC/DC)
Aqui acho que a dica, entre outras coisas, é o vibrato. Angus Young é mestre nisso e o cuidado em alguns pontos faz a diferença no resultado. Ele põe tanta energia em algumas notas chave do solo que é como se quisesse “furar” o braço da guitarra ! rs
4- “Satisfaction Guaranteed” (The Firm)
Banda de Paul Rodgers (Bad Company) junto com Jimmy Page. Solo melodioso que mistura a digitação padrão ao slide e onde o vibrato exagerado em alguns pontos contrasta com a lenta mudança de algumas notas. O resultado faz a melodia criar a tensão pedida.
5- “Bad Little Doggie” (Gov’t Mule)
Bons glissandos e palhetada firme é a receita! Tema fabuloso do Mule!
6- “Always on the Run” (Lenny Kravitz / Slash)
Música de Lenny Kravitz mas com solo do Slash. Para mim, um clássico em todos os aspectos e o solo caiu como uma luva aqui. O jeito de fazer os bends são assinatura dele aqui e é onde fica a maior atenção.
7- “Hard To Handle” (Black Crowes)
Dois solos com o pedrigree do rock and roll e com abordagens distintas, sendo o segundo mais agressivo. Adoro tocar esse tema nessa versão dos BC e ao vivo uso o TS-9 Ibanez para empurrar meu amplificador Peavey Classic 30 nesse solo dando a “cara” pra ele.
Acho que é o solo mais nervoso que já ouvi do Clapton. No início me parece um “pinch harmonic” entre os bends (e é o que eu fiz), de execução não tão simples. Além disso, o vibrato do Clapton é excepcional. Um dos mais instigantes solos que já toquei dele.
Novamente Clapton dando uma aula. Usando um fuzz e captação do braço, o foco aqui são os bends que alternam entre meio tom e tom inteiro. Meu jeito de observar a intenção nesse solo foi o de percorrer boa parte do solo na corda B (si). Creio que fluiu mais próximo do resultado que ele criou.
10- “Nobody’s Fault But Mine” (Led Zeppelin)
Um dos meus prediletos. Logo após o início do solo tenho a forte impressão que Page usou um recurso muito utilizado na música country que é o bend “behind the nut” (um bend feito pressionando a corda antes da pestana do instrumento - normalmente a 3ª corda (SOL) solta - e que ele já havia usado no solo de “Heartbreaker” e nos harmônicos de “Dazed and Confused”). Eu não repliquei esta técnica porque minha guitarra não funciona bem fazendo isso (além do quê, ele usava encordoamento 00.9 e o meu é 0.10, o que provavelmente dificulta mais ainda). Adaptei este trecho na quarta corda (Ré) fazendo um bend na 5ª casa (SOL) e acho que ficou bem próximo.
Abraços!
Marcos “Lelo” Craveiro